Bem vindos a Infâmia.
Surgido da necessidade pessoal ou de uma compulsão não explicada, esse é um espaço reservado a todos que queiram dividir seus textos com o público (ou não). Apenas um local de expressão pseudo literária.
domingo, 18 de julho de 2010
Para Elise
Manhã de sol fraco, céu cinza, vento ameno.
Olha pela janela da sacada do apartamento sem grandes pretensões. O silêncio não me incomoda mais.
Essa é a primeira vez que percebo o quanto esse apartamento é vazio. Sem móveis, sem carpete, quadros ou qualquer outra referência a gostos e tendências. Apenas paredes brancas para todos os lados, roupas sujas e amassadas jogada pelos cantos, um cinzeiro transbordando e garrafas vazias de vinho recostadas em um canto da parede. A única coisa que destoava era o colchão no meio da sala e ela.
Minha garganta esta muito seca. Vou para a cozinha com cuidado para não acordá-la. Geladeira vazia, restos de comida chinesa em caixinhas de papel. E a ultima garrafa de Casillero Del Diablo pela metade. Perfeito. Levo a garrafa para a sala e me sento no canto onde o sol ilumina com preguiça e sem força. Permaneço a observá-la.
Ela dorme um sono profundo. Sua pele se arrepia pelo vento frio da manhã que passa pela fresta da janela. Em um esforço malembe, ela desliza o braço para cima do seu rosto, protegendo as linhas de seu rosto que a luz do sol insiste em persegui-la a essa hora. “Preciso comprar cortinas”.
Um gole no gargalo da garrafa ajuda a descer o pigarro. Incrível como as curvas do lençol de seda criam um brilho nessa luz. Quem eu quero enganar? O lençol em cima de seu corpo desnudo cria um espetáculo de beleza e sensualidade. Sonhos juvenis retornam a memória de um homem velho. Um sorriso me escapa no canto da boca.
Lentamente ela se espreguiça e se vira debruço no colchão. O cabelo é um espetáculo único. Ele cai ao lado do pescoço deixando visíveis as linhas do ombro e uma pequena parte da orelha. Procuro conter o riso. Incrível o que um lóbulo beijado com suavidade pode provocar.
A noite fora curta demais para uma espera que havia sido longa demais. Nunca pensei que voltaria a me sentir assim novamente. Livre. Solto. Indeciso. Como dizia a canção na Rádio da noite anterior: “seus olhos não são verdes, mas tem a profundidade de um oceano”.
Que beijos. Nunca mais haverá beijos como os de Elise Meyer. A forma como encaixara os quadris em meu corpo parecia que ela havia nascido ali, uma simetria perfeita. O debater dos corpos, o suor, angústias e frustrações extravasadas, mentes jogadas para dentro de um lugar escuro, quente e acolhedor. Corações e mentes aceleradas em um momento em que lágrimas vertem pela mera percepção do Nirvana. A anulação do Eu. Não era paixão. Era plenitude. Sua voz rouca desfalecia como notas de uma canção a muito perdida.
Dormimos abraçados por um sono profundo. Eramos uma flor de lótus que se fechara ao mundo ao invés de abrir.
Olho novamente para seu corpo debaixo dos lençóis de seda. Tomo mais um gole da boca da garrafa. Essas são memórias que vão me perseguir através dos tempos, entre nuvens e sonhos juvenis como uma diáfana percepção da realidade. O sol passa a brilhar com mais intensidade dentro da sala do apartamento, mostrando que ele também sobrevive em tempos nublados.
Ela abre os olhos lentamente, incomodada pela claridade, sorriso no canto da boca.
_Vem... me abraça.
O Conto acima é ficcional. Qualquer semelhança com a realidade é mera coincidência.
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Minha autora preferida é Lygia Fagundes Telles, isso já diz muito. Adoro contos.
ResponderExcluirOu seja, você pegou no meu ponto fraco.
Adorei. =p